Esta é uma obra de ficção, todos os nomes são fictícios (inclusive o da montanha) e caso tenha alguma relação com a realidade é pura coincidência. Inclusive, caso essa coincidência ocorra, essa trilha já existia, os tracks para GPS já eram encontrados para download e muita gente sobe esse caminho...
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Há alguns anos, o Parofes e eu, conversamos sobre um pico isolado que podia ser visto da Rodovia Dutra, entre o complexo do Marins-Itaguaré e a Serra Fina, bem acima de Cruzeiro, alto e provavelmente com mais de 2000 m de altitude. Pouco tempo passou e logo descobrimos seu nome: Pico da Gomeira.
O tempo foi passando, a ideia amadurecendo, a busca de informações na internet não trouxe nenhuma dica de acesso então a logística começou a ser planejada usando carta topográfica e Google Earth até que, somente no ano passado, junto com o Mateus, fizemos a primeira investida nesta montanha (veja aqui o relato). Foi nesta viagem que percebi claramente que precisaria de mais que 1 dia para alcançar seu cume.
Mais um ano se passou, a ideia não saia da minha cabeça (principalmente por ter passado pela região e o observado, de longe, diversas vezes na temporada) até que, essa semana, resolvi encarar novamente o desafio.
Tendo me calejado na abertura de trilhas com a Travessia Davi-Parofes (Serrinha - Pico do Gigante - Pico do Ovo - 3 Picos de Itatiaia - parte baixa PNI) e a Trilha da Panela (subida do Pico 3 Estados via Paiolinho), duas trilhas inéditas que exigiram muito vara mato, inclusive ter que varar muito bambu, a hora de fechar as aberturas de trilha em 2015 tinha chegado.
No carro preparando o cafe antes da subida do Pico da Gomeira
Assim, depois de um Agosto cheio de trabalho e precisando descansar o cérebro e cansar os músculos, na 2ª feira à noite, dia 31, peguei estrada rumo Cruzeiro e logo estacionava o carro em um posto próximo à Garganta do Embaú, onde fica um mirante e monumento em homenagem aos soldados que lutaram na região em 1932.
A noite no porta-malas-cama foi bem tranquila e, dia 1º de Setembro, depois do meu café-da-manhã-pré-montanha (miojo), às 6h da manhã comecei a caminhada. A ideia seria o mesmo caminho do planejamento inicial por onde o Mateus e eu tínhamos tentado no ano passado, apenas com alguns ajustes finos no planejamento do trajeto a seguir e, agora, com dois dias disponíveis para a "roubada".
Na estrada seguindo para o Pico da Gomeira
Logo cheguei na Garganta do Embaú, divisa MG-SP e, pela trilha que sobe para algumas torres, comecei a subida. Os primeiros metros são bem abertos e logo depois é só encarar uma pirambeira em pasto até um primeiro cume bem acima. Com 13,5 kg na mochila essa subida foi penosa mas logo acabou, tendo aproveitado as pausas para respirar para fotografias do Sol que começava a iluminar as montanhas ao meu redor.
Pausa depois de 1h de trilha para o Pico da Gomeira
Deste primeiro "cuminho" a trilha segue um sobe-desce leve, passando por outros pequenos cumes e depois seguindo a curva de nível por trilhas de vaca até que, em pouco menos de 2 h de caminhada desde a saída do carro, eu chegava no novo ponto por onde eu pretendia entrar na mata e começar a seguir o verdadeiro rumo para o Pico da Gomeira.
Durante a subida do pasto para o Pico da Gomeira
No início da mata fiz uma pausa mais longa para comer algo, me reidratar, mais fotos, vídeo e logo troquei o pasto aberto por uma mata fechada. O começo segue razoavelmente aberto mas isso durou pouco, trazendo para mim os "lindos e maravilhosos" bambus (veja este vídeo se quer saber o que penso sobre bambus). Sem perder muito tempo ativei o modo "Brain-Off" e segui em frente, sempre para cima, até chegar ao primeiro cume da crista do Gomeira.
No começo da trilha para o Pico da Gomeira
Tentando parar o mínimo possível (eu sabia que o dia seria beeeeem longo) fui seguindo a crista em diversos sobe/desce, passando por alguns cumes, alguns colos, sempre muito bem acompanhado por mata fechada e bambus até que, depois de ver o cume da montanha apenas duas vezes no caminho, cheguei no que parecia ser o colo antes da subida final da montanha, isso já por volta das 13 h. Neste momento tinha andado cerca de 7 horas e faltava "apenas" 1 km (em linha reta) até o cume, o que provavelmente levaria mais umas 7 h de caminhada já que eu estava me aproximando uns 150 metros a cada hora!
Primeira vista do Pico da Gomeira na trilha
Continuei subindo mantendo o cérebro desligado, os músculos trabalhando, pensando que quanto mais eu subisse, mais próximo estaria no dia seguinte e na esperança de encontrar algum ponto bom para bivacar (dormir ao relento, sem barraca). O final da tarde chegou e, pelo GPS (onde eu tinha apenas o ponto estimado do cume pela carta topo), a montanha ainda estava longe (leia-se uns 500 metros). Mesmo assim continuei a subida em alguns trechos que pareciam ser uma antiga trilha e em outros por onde tinha sido a estrada que levava ao cume do Gomeira (sim, existiu uma estrada lá que ia até o cume, não sei quando, mas hoje a natureza pediu novamente seu lugar e voltou a ser uma mata fechada, eu percebia sua existência mais pelas bordas que um dia foram cortadas para se ter um trecho plano - se você tiver infos sobre quando existiu, quando foi construída, quando foi abandonada, me fale!). Inclusive, ainda nas últimas luzes do dia passei pelo primeiro vestígio totalmente humano: um cabo de aço que segurava dois pontes mais acima.
Descansando durante subida do Pico da Gomeira - falta 1km
Já no escuro continuei a subida até que, quando desceu a neblina, perdi totalmente a navegação visual e percebi que o GPS estava começando a me levar em direção errada. Voltei um pouco, pelo GPS estava há uns 50 metros do cume, mas sem condições de prosseguir então no primeiro trecho mais plano e aberto tirei a mochila das costas e comecei a aplainar o que seria meu acampamento, isso já eram 20 h e eu estava andando há "apenas" 14 h, totalmente exausto.
Exausto depois de 14h de caminhada subindo pro Pico da Gomeira
No meu local de bivac preparei uma sopa para me aquecer do frio que começava a chegar, em seguida meu prato principal e logo troquei de roupa e entrei no liner (um pré saco de dormir), saco de dormir (para poupar peso levei um para +15ºC) e saco impermeável. Algumas mensagens trocadas pelo celular até que, às 21 h, desmaiei de cansaço, tendo uma boa noite de sono até às 1 h da madrugada, quando acordei com uma noite clara pensando: "será que já vai clarear?" mas vi que ainda teria mais um bom tempo para descansar.
O restante da noite não foi tão bom. Consegui dormir mas acordei algumas vezes a cada 2 h mais ou menos até que, chegando perto da manhã e com diversas gotas caindo das árvores sobre mim (não choveu mas teve uma boa neblina e vento), despertei de vez por volta das 5h30. Nessa hora também chegou o frio que me deixou um pouco abaixo de um bom nível de conforto para que fosse possível dormir.
Arrumando as coisas pro ataque final ao cume do Pico da Gomeira
Continuei encolhido, tentando me aquecer enquanto esperava o Sol nascer, perto das 7h me animei a preparar meu café da manhã e, aos poucos, a temperatura foi subindo, as nuvens se dispersando, arrumei minhas coisas e às 8h05, novamente com a mochila nas costas, pude analisar melhor o local e ver que de noite estava realmente indo para o pior lugar, eu tinha dormido bem em uma curva da antiga estrada. De lá, agora literalmente podendo ver para onde ir, segui meu caminho e, 15 minutos depois, chegava, finalmente, ao cume do Pico da Gomeira com seus 2064 m de altitude.
Cume do Pico da Gomeira
No cume uma longa pausa para muitas fotos, alguns vídeos, mandar mensagens no celular e explorar suas antigas construções - com destaque para uma torre que dá pra subir e ter um visual mais panorâmico e a antiga casinha, totalmente abandonada e com suas paredes que se tornaram um "livro de cume" de registro de pessoas que lá estiveram (a subida mais recente que consegui entender foi em 2008).
Recado pro pessoal na torre do Pico da Gomeira
Passei quase uma hora desfrutando aquele lugar até que, às 9h15, segui meu rumo para baixo, voltando exatamente pelo mesmo caminho que tinha aberto na subida (e mesmo assim, em alguns trechos, me perdia e tinha que recorrer ao GPS para ter certeza da direção a seguir). Aproveitei também a descida para marcar melhor o caminho para futuros visitantes desta linda montanha, deixando os trechos ambíguos melhor sinalizados, abrindo melhor o caminho a seguir e fechando os caminhos errados (se houver apenas uma trilha bem definida o impacto ao local será muito menor que cada pessoa tentando abrir seu próprio caminho).
Descendo do Pico da Gomeira onde existiu uma estrada
Descendo do Pico da Gomeira em mata de bambu
A descida foi tranquila, o desânimo que tinha me pego no final da subida no dia anterior tinha despencado do cume e, sem muita pressa, fui descendo, descendo, descendo até que, às 12h55, cheguei na saída da mata, de onde em diante seria apenas seguir o pasto.
Fiz uma longa pausa para mais vídeos, mais fotos, comer, beber e então, feliz pelo trabalho concluído, às 13h15 segui meu caminho. Mas o perrengue não tinha acabado: como ainda era "cedo" segui mais pela crista dos morros em vez de descer para as trilhas de vaca e seguir o caminho que tinha usado na ida. No final sai na mesma casinha e torre bem no final da trilha mas acabei seguindo por um caminho bem pior (serviu pra ter certeza que o caminho da ida realmente era o melhor).
No final da trilha do Pico da Gomeira
Cheguei na Garganta do Embaú às 14h15 peguei um pouco de água para o retorno e, sem muita pressa fiz algumas fotos, vídeos e então fui retornando para o carro, que me esperava a uns 700 metros de lá. Parei no caminho ainda no monumento em homenagem aos combatentes de 1932 e, chegando no posto, um pessoal me olhava passar, afinal eu parecia um mendigo com mais uma calça totalmente rasgada na trilha - Fabricantes de calça para atividade outdoor, quando vocês vão me apoiar? Esse ano, em cada trilha aberta, perdi uma!
Às 14h45, com bastante fome, finalmente cheguei no carro para a merecida troca de roupa e na sequência parar no restaurante do posto para o merecido almoço, um sirva-se à vontade muito bom - única consideração foi meu suco de acerola, que a atendente deixou, sem querer, a tampinha do liquidificador cair dentro e então ele veio com pedaços triturados de plástico - mas foi trocado assim que eu falei pra ela que tinha plástico no suco.
De lá estrada, fazendo só uma pausa novamente na Garganta para lavar as botas e outra na descida da serra para fotografar o Gomeira e então segui meu caminho para São Paulo.
Apesar do perrengue e cansaço essa montanha valeu muito a pena. Mais um projeto antigo que finalmente foi concretizado. Mas chega disso por esse ano. Agora, com a chegada do final da temporada de montanha, acho que vou me dedicar mais às trilhas já abertas e brincar um pouco de acelerar o ritmo, fazendo algo mais "light", como a ideia de fazer a Serra Fina em apenas um dia ;-)
As fotos dessa viagem podem ser vistas no link Pico da Gomeira, quem quiser repetir a montanha o track pra GPS já está disponível no wikiloc e abaixo um playlist com todos os vídeos. E caso você saiba mais da história das construções no cume não deixe de me escrever!
Playlist Pico da Gomeira
- enviado por Tacio Philip às 19:19:40 de 03/09/2015.